CARTA
ENCÍCLICA
"QUOD APOSTOLICI MUNERIS"
aos
Veneráveis Irmãos Patriarcas, Primazes, Arcebispos, Bispos e outros Ordinários
em paz e comunhão com a Santa Sé Apostólica:
Sobre o
socialismo e comunismo.
LEÃO XIII, PAPA
Veneráveis Irmãos, Saúde e Bênção Apostólica.
INTRODUÇÃO
Crescem os males da sociedade.
1. Obedecendo ao dever do Nosso cargo apostólico, não
deixamos logo no princípio do Nosso Pontificado, nas cartas encíclicas que Vos
dirigimos, Veneráveis Irmãos, de apontar esta peste mortal que se introduz como
a Serpente por entre as articulações mais íntimas dos membros da sociedade
humana, e a coloca num perigo extremo. Ao mesmo tempo vos indicamos os remédios
mais eficazes para que a sociedade possa voltar ao caminho da salvação e
escapar aos graves perigos que a ameaçam. Mas os males, que então deploramos,
aumentam tão rapidamente, que somos de novo obrigado a dirigir-Vos a palavra,
porque nos pareceu ouvir mais uma vez ressoar aos nossos ouvidos estas palavras
do Profeta: ‘Clama, não cesses de clamar, levanta a tua voz e que ela seja
semelhante a uma trombeta” (Is 63,1).
Socialismo, comunismo, niilismo.
2. Vós compreendereis facilmente que Nos referimos a essa
seita de homens que, debaixo de nomes diversos e quase bárbaros, se chamam
socialistas, comunistas ou niilistas, e que, espalhados sobre toda a superfície
da terra, e estreitamente ligados entre si por um pacto de iniquidade, já não
procuram um abrigo nas trevas dos conciliábulos secretos, mas caminham
ousadamente à luz do dia, e se esforçam por levar a cabo o desígnio, que têm
formado de há muito, de destruir os alicerces da sociedade civil. É a eles,
certamente, que se referem as sagradas letras quando dizem: “Eles mancham a
carne, desprezam o poder e blasfemam da majestade” (Jud 8).
Contra a sociedade.
3. Nada deixam intacto ou inteiro do que foi sabiamente
estabelecido pelas leis divinas e humanas para a segurança e honra da vida.
Enquanto censuram a obediência, devida às autoridades às quais o Apóstolo nos
ensina que toda a alma deve ser sujeita e que receberam por empréstimo de Deus
o direito de mandar, eles pregam a igualdade absoluta de todos os homens no que
diz respeito aos direitos e deveres. A união natural do homem e da mulher,
sagrada até entre as próprias nações bárbaras, eles a desonestam; e este laço,
no qual se encerra principalmente a sociedade doméstica, enfraquecem-no e até o
entregam ao mero capricho da sensualidade.
Contra a propriedade.
4. Seduzidos por fim pela cobiça dos bens presentes, que
é “a origem de todos os males e que faz errar na fé aqueles em quem domina” (1
Tim 6,10), eles combatem o direito de propriedade, sancionado pela lei natural;
e, por um atentado monstruoso, enquanto afetam tomar interesse pelas
necessidades de todos os homens e pretendem satisfazer todos os seus desejos,
trabalham por arrebatar e pôr em comum tudo o que tem sido adquirido ou por
título de legitima herança, ou pelo trabalho do espírito e das mãos, ou pela
economia.
Contra a autoridade.
5. E estes monstruosos erros, eles os proclamam nas suas
reuniões, os advogam nos seus panfletos e os semeiam entre o povo por meio de
uma nuvem de jornais. De onde se segue que a majestade respeitável dos Reis e a
autoridade estão expostas, a tal ódio da plebe sediciosa, que alguns culpáveis
traidores, insofridos de todo o freio, várias vezes num curto espaço de tempo,
animados de ímpia audácia, têm apontado repetidamente as suas armas contra os
próprios chefes das nações.
ORIGEM DE TAIS DOUTRINAS
O racionalismo.
6. Esta audácia de homens pérfidos, que ameaça com uma
ruína cada vez mais grave a sociedade civil, e enche de inquietação e temor
todos os espíritos, tira a sua origem e a sua causa dessas doutrinas
envenenadas, que, em tempos anteriores, espalhadas como germe de corrupção
entre os povos, têm produzido a seu tempo frutos deletérios.
7. Efetivamente sabeis muito bem, Veneráveis Irmãos, que
a guerra encarniçada que os Inovadores declararam, a partir do século XVI,
contra a fé católica, e que tem aumentado de dia para dia cada vez mais, até à
nossa época, tende a este fim, que, recusando toda a revelação e suprimindo
toda a ordem sobrenatural, esteja aberto o campo às invenções, ou antes aos
delírios da razão somente. Este erro, que da razão indevidamente tira o nome,
lisonjeia e excita o orgulho do homem e tira o freio a todas as suas paixões:
por isso invadiu naturalmente não só o espírito de muitos indivíduos, mas
também, em grande escala, a sociedade civil.
SEUS FRUTOS
O Estado, e o Ensino sem Deus.
8. Daí veio que, por uma nova iniquidade, desconhecida
até aos pagãos, os Estados se constituíram sem fazerem caso algum de Deus, nem
da ordem por Ele estabelecida; a autoridade pública foi declarada corno não
tirando de Deus nem o seu principio, nem a majestade, nem a força de mandar,
mas que provinha da multidão, que, reputando-se livre de toda a sanção divina,
julgou que devia submissão apenas às leis que ela mesma fizesse, consoante o
seu capricho. Sendo combatidas e rejeitadas as verdades sobrenaturais da fé
como contrárias à razão, o próprio Autor e Redentor do gênero humano é
insensivelmente e pouco a pouco banido das Universidades, dos liceus, dos
colégios e de todo o uso púbico da vida humana.
A rebelião dos necessitados.
9. Entregues ao olvido recompensas e castigos da vida
futura e eterna, o desejo ardente da felicidade foi circunscrito aos limites do
tempo presente. Estando por toda parte profusamente espalhadas estas doutrinas
e introduzindo-se em todos os lugares esta extrema licenciosidade de pensamento
e de ação, não é para admirar que os homens de ínfima condição, cansados da
pobreza de suas casas ou pequenas oficinas, tenham inveja de se elevarem até
aos palácios e à fortuna dos ricos: não é para admirar que já não haja
tranquilidade na vida pública e particular, e que o gênero humano esteja já
chegado quase à borda do abismo.
OS PAPAS ALERTAM OS POVOS
10. Entretanto os Pastores Supremos da Igreja, a quem
incumbe o cuidado de preservar o rebanho do Senhor dos embustes do inimigo,
empregaram logo ao princípio todos os seus esforços para afastar o perigo e prover
à salvação dos fiéis. Efetivamente, depois que começaram a formar-se as
sociedades secretas, em cujo seio já se iam desenvolvendo os germes dos erros
que temos apontado, os Pontífices romanos Clemente XII e Bento XIV não se
descuidaram em desmascarar os desígnios ímpios das seitas e avisar os fiéis do
mundo inteiro do mal que s1hes preparava secretamente.
O filosofismo, As seitas ocultas.
11. Depois que os que se ufanavam do nome de filósofos
atribuíram ao homem uma espécie de independência desenfreada e começaram a
inventar e sancionar o que chamam o direito novo, contrário à lei natural e
divina, o Papa Pio VI, de saudosa memória, assinalou imediatamente, com
documentos públicos, o caráter iníquo e a falsidade destas doutrinas e ao mesmo
tempo predisse, com previdência apostólica, o estado ruinoso ao qual o povo,
miseravelmente enganado, seria conduzido. Contudo, como se não tomou medida alguma
eficaz para impedir que as perversas doutrinas das seitas se espalhassem cada
vez mais pelos povos e penetrassem nos altos públicos dos governos, os Papas
Pio VII e Leão XII anatematizaram estas seitas secretas e avisaram de novo a
sociedade do perigo que a ameaçava.
O socialismo.
12. Finalmente, todos sabem com que gravidade de
linguagem, com que firmeza e constância o Nosso glorioso Predecessor Pio IX, de
saudosa memória, combateu, quer nas suas alocuções, quer nas suas Encíclicas
dirigidas aos Bispos de todo o mundo, tanto os esforços iníquos das seitas,
como nomeadamente a peste do socialismo, que já irrompia dos seus antros.
Os governantes desconfiam da Igreja.
13. Mas é muito para lastimar que os que se encarregaram
de vigiar, pelo bem público, enganados pelos ardis dos ímpios e assustados
pelas suas ameaças, sempre deram prova de desconfiança e até de injustiça para
com a Igreja, não compreendendo que todos os esforços das seitas teriam sido
impotentes se a doutrina da Igreja católica e a autoridade dos Pontífices
romanos tivessem sempre sido devidamente respeitadas pelos príncipes e pelos
povos. Porque “a Igreja do Deus vivo, que é a coluna e o sustentáculo da
verdade” (1 Tim 3,15), ensina as doutrinas e princípios, cuja verdade consiste
em assegurar inteiramente a salvação e tranquilidade da sociedade e desarraigar
completamente o germe funesto do socialismo.
OPOSIÇÃO ENTRE A DOUTRINA DO EVANGELHO E O SOCIALISMO
O igualitarismo socialista.
14. Porque, ainda que os socialistas, abusando do próprio
Evangelho, a fim de enganarem mais facilmente os espíritos incautos, tenham adotado
o costume de o torcerem em proveito da sua opinião, -entretanto a divergência
entre as suas doutrinas depravadas e a puríssima doutrina de Cristo é tamanha
que maior não podia ser. Pois “que pode haver de comum entre a justiça e a
iniquidade. Ou que união entre a luz e as trevas?” (2 Cor 6,14). Os socialistas
não cessam, como todos sabemos, de proclamar a igualdade de todos os homens
segundo a natureza; afirmam, como consequência, que não se devem honras nem
veneração à majestade dos soberanos, nem obediência às leis, a não serem
estabelecidos por eles próprios e segundo o seu gosto.
A Igualdade evangélica.
15. Mas, ao contrário, segundo as doutrinas do Evangelho,
a igualdade dos homens consiste em que todos, dotados da mesma natureza, são
chamados à mesma e eminente dignidade de filhos de Deus, e que, tendo todos o
mesmo fim, cada um será julgado pela mesma lei e receberá o castigo ou a
recompensa que merecer. Entretanto a desigualdade de direitos e de poder provém
do próprio Autor da natureza, “de quem toda a paternidade tira o nome, no céu e
na terra” (Ef 3,15).
16. Mas as almas dos príncipes e dos súbditos estão,
segundo a doutrina e preceitos católicos, ligadas de tal sorte, por deveres e
direitos mútuos, que se modere o desejo de dominar e o motivo da obediência se
torne fácil, constante e nobilíssimo.
Doutrina da Igreja sobre o poder.
17. Por isso a Igreja inculca constantemente aos súbditos
o preceito do Apóstolo: “Não há poder que não venha de Deus e os que existem
foram ordenados por Deus. Aquele, pois, que resiste ao poder resiste à ordem de
Deus e os que resistem atraem sobre si a condenação”. E de novo ordena que
sejam submissos não só por temor, mas também por motivos de consciência, e que
se dê a cada um o que for devido: “a quem o imposto, o imposto; a quem o temor,
o temor; a quem a honra, a honra” (Rom 13,1-7). Aquele que criou e governa
todas as coisas regulou com a sua sabedoria providencial que as íntimas coisas
ajudadas pelas medianas, e estas pelas superiores, consigam todas o seu fim.
18. Por isso, assim como no céu quis os coros dos Anjos
fossem distintos e subordinados uns aos outros, e na Igreja instituiu graus nas
ordens e diversidade de ministérios de tal forma que nem todos fossem
apóstolos, nem todos doutores, nem todos pastores (1 Cor 12,27>; assim
estabeleceu que haveria na sociedade civil várias ordens diferentes em
dignidade, em direitos e em poder, a fim de que a sociedade fosse, como a
Igreja, um só corpo, compreendendo um grande número de membros, uns mais nobres
que os outros, mas todos reciprocamente necessários e preocupados com o bem
comum.
Admoestação aos que governam.
19. Mas, para que os regentes dos povos usem do poder que
lhes é concedido para edificar e não para destruir, a Igreja de Cristo avisa-os
muito a propósito de que a severidade do julgamento supremo ameaça também os
príncipes, e repetindo as palavras da Divina Sabedoria brada a todos em nome de
Deus: “Prestai atenção, vós que dirigis as multidões e que vos comprazeis do
número das nações, porque o poder vos foi dado por Deus e a força pelo
Altíssimo que examinará as vossas obras e perscrutará os vossos pensamentos...
Porque o julgamento dos que governam será muito severo.. . Deus efetivamente
não excetuará pessoa alguma nem terá atenção com as grandezas de ninguém, pois
Deus criou o pequeno e o grande e tem igual cuidado por todos; mas para os mais
fortes está reservado um castigo mais forte” (Sab 6,3 ss).
Contra o abuso do poder.
A paciência e a oração.
20. Se, portanto, acontecer alguma vez que o poder púbico
seja exercido pelos príncipes temerariamente e ultrapassando os limites da
justiça, a doutrina da Igreja católica não permite que os súbitos se revoltem
contra eles, com receio de que a tranquilidade da ordem fique ainda mais
perturbada e por isso a sociedade sofra um prejuízo muito maior. E, quando as
coisas chegarem ao ponto de já não brilhar esperança alguma de salvação, a
Igreja ensina que o remédio deve ser rogado e apressado pelos merecimentos da
paciência cristã e com fervorosas orações a Deus.
21. Se a vontade dos legisladores e dos príncipes
sancionar ou ordenar alguma coisa que esteja em oposição com a lei divina ou
natural, a dignidade e o dever do nome cristão, assim como o preceito
apostólico, prescrevem que devemos “obedecer a Deus antes que aos homens” (At
5,29).
A SOCIEDADE DOMÉSTICA
22. A própria sociedade doméstica, que é o princípio e a base
da cidade e do reino, ressente e experimenta necessariamente esta virtude
salutar da Igreja, que contribui para a perfeita organização e para a
conservação da sociedade civil. Pois bem sabeis, Veneráveis Irmãos, que a
verdadeira constituição da sociedade é baseada, segundo a necessidade do
direito natural, diretamente sobre a união indissolúvel do homem e da mulher e
que é completada pelos direitos e deveres mútuos entre os pais e os filhos,
entre os amos e os criados. Sabeis também que as doutrinas do socialismo
desorganizam completamente a sociedade, porque, perdendo o apoio que lhe dá o
casamento religioso, tem forçosamente de ver enfraquecer-se o poder do pai
sobre os filhos, e os deveres dos filhos para com os pais.
23. A Igreja, pelo contrário, nos ensina que o casamento
respeitável em tudo (Heb 13,4), instituído pelo próprio Deus no princípio do
mundo para a propagação e conservação do gênero humano, e por Ele decretado
indissolúvel, foi feito mais indissolúvel e mais santo ainda por Cristo, que
lhe conferiu a dignidade de Sacramento, e dele fez a figura da sua união com a
Igreja.
24. Por consequência, é necessário, segundo as exortações
do Apóstolo (Ef 5,23), que o homem seja o chefe da mulher como Cristo é o Chefe
da Igreja, e que as mulheres sejam submissas a seus maridos e deles recebam as
provas de amor fiel e constante, como a Igreja é submissa a Cristo, que a
abraça com amor eterno e castíssimo.
Poder paterno e heril.
25. A Igreja regula igualmente o poder dos pais e dos amos, a
fim de que possam conter os filhos e os criados no cumprimento dos seus
deveres, sem se afastarem dos Imites da justiça. Porque, segundo a doutrina
católica, a autoridade dos pais e dos amos deriva da autoridade do Pai e do
Senhor celeste. Por consequência tira dela não somente a origem a força, mas
até, e muito necessariamente, a sua essência e caráter. Daí vem que o Apóstolo
exorta os filhos “a obedecer a seus pais no Senhor e a honrarem seu pai e mãe,
que é o primeiro mandamento acompanhado de promessa” (Ef 6,1-2). E aos pais
diz: “E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à cólera, mas dai-lhes educação
instruindo-os e corrigindo-os segundo o Senhor” (Ei 6,4).
Relações entre amos e criados.
26. E mais adiante o mesmo Apóstolo recomenda aos criados
e aos amos: aos primeiros que “Obedeçam a seus senhores segundo a carne, como
ao próprio Jesus Cristo servindo-os de bom grado como ao Senhor; aos outros que
e não excedam em ameaças nem maus tratos, lembrando-se que Deus é o Senhor de
todos, e que para Ele não há distinção de pessoas” (Ef 6,5-9).
27. Se todas estas coisas fossem observadas por aqueles a
quem dizem respeito, conforme a disposição da vontade divina, cada família
ofereceria a imagem da morada celeste e os insignes benefícios que dai
resultariam não ficariam encerrados unicamente dentro das paredes da casa, mas
espalhar-se-iam também profusamente nos Estados.
DIREITO DE PROPRIEDADE
28. Quanto à tranquilidade da sociedade pública e
doméstica, a sabedoria católica, apoiada nos preceitos da lei natural e divina,
a isso provê muito prudentemente com suas doutrinas e ensinos sobre o direito
da propriedade e sobre a partilha dos bens que são arranjados para as
necessidades e utilidades da vida. Porque os sectários do socialismo,
apresentando o direito de propriedade como uma invenção humana que repugna à
igualdade natural dos homens, e reclamando o comunismo dos bens, declaram que é
impossível suportar com paciência e pobreza e que as propriedades e regalias
dos ricos podem ser violadas impunemente. Mas a Igreja, que reconhece muito
mais útil e sabiamente que existe a desigualdade entre os homens, naturalmente
diferentes nas forças do corpo e do espírito, e que esta desigualdade também
existe na propriedade dos bens, determina que o direito de propriedade ou
domínio, que vem da própria natureza, fique intacto e inviolável para cada um.
Condenação da rapina.
Desv1o pelos pobres.
29. Ela sabe, efetivamente, que o roubo e o latrocínio
foram proibidos por Deus, autor e defensor de todos os direitos, de tal forma
que nem sequer é permitido desejar os bens doutrem, e que os ladrões e roubadores,
assim como os adúlteros e idólatras, são excluídos do reino dos céus. Mas
entretanto a Igreja, esta piedosa mãe, nem por isso despreza o cuidado pelos
pobres nem se descuida de prover às suas necessidades, porque, abraçando-os com
a sua ternura maternal e sabendo que eles representam o próprio Jesus Cristo,
que considera como feito a Ele o bem que por qualquer for feito ao mais ínfimo
dos pobres, os tem em grande consideração; ela os ajuda por todos os meios
possíveis, toma a seu cargo mandar levantar por todo o mundo casas e hospícios
para os receber, sustentar e tratar, e os toma debaixo da sua proteção.
30 Além disso, impõe como rigoroso dever aos ricos dar o
supérfluo aos pobres e ameaça-os com o juízo de Deus que os condenará aos
suplícios eternos, se não acudirem às necessidades dos indigentes. Enfim,
atenta e consola o coração dos pobres, quer apresentando-lhes o exemplo de
Jesus Cristo que, “sendo rico, quis fazer-se pobre por nós” (2 Cor 8,9), quer
lembrando-lhes as suas palavras, pelas quais declara felizes os pobres e
ordena-lhes que esperem as recompensas da felicidade eterna.
31. Quem não verá, na verdade, que é este o melhor meio
de apaziguar a antiga questão entre os pobres e os ricos? Porque, a própria
evidência das coisas e dos fatos bem o demonstra, desprezado ou rejeitado este
meio, terá de acontecer necessariamente uma de duas Coisas: ou a maior parte do
gênero humano será reduzida à ignominiosa condição dos escravos, como o foi por
muito tempo entre os pagãos, ou a sociedade será agitada por perturbações
continuas e desolada pelos roubos e assassínios, como muito recentemente ainda
tivemos o desgosto de ver.
Exortação aos povos e autoridades.
32. Sendo isto assim, Veneráveis Irmãos, Nós, a quem
incumbe, há pouco tempo, o governo de toda a Igreja, depois de termos mostrado
desde o princípio do Nosso Pontificado aos povos e aos príncipes, acossados
pelo furor da tempestade, o porto onde encontrariam um abrigo seguro, impelidos
agora pelo gravíssimo perigo que está ameaçando, fazemos de novo ressoar a seus
ouvidos a palavra apostólica para a salvação dos mesmos, bem como para a
salvação de seus Estados. Nós lhes pedimos, Nós lhes rogamos instantemente que
aceitem o magistério da Igreja tão benemérita dos Estados, debaixo do ponto de
vista da prosperidade pública, e que atentem bem que os interesses do Estado e
os da religião, estão de tal forma unidos entre si, que tudo quanto se fizer
perder a esta última, outro tanto enfraquece o dever dos súditos e a majestade
do poder.
E quando reconhecerem que, para afastar esta peste do
socialismo, a Igreja possui uma força como nunca tiveram nem as leis humanas,
nem as repressões dos magistrados, nem as armas dos soldados, tratarão de
restituir logo à Igreja a condição e liberdade tais, que possa exercer esta
força tão salutar para o bem comum de toda a sociedade humana.
EXORTAÇÃO AO EPISCOPADO
Prevenir as crianças.
33. Quanto a Vós, Veneráveis Irmãos, que reconheceis perfeitamente
a origem e o caráter dos males que nos assolam por toda a parte, tratai com
todas as veras e com todo o esforço do vosso espírito de espalhar e fazer
penetrar profundamente nas, almas a doutrina católica. Esforçai-vos por que
todos os cristãos acostumem seus filhos desde a mais tenra idade a amar a Deus
e a respeitar a Sua santa vontade, a inclinarem-se perante a majestade dos
príncipes e das leis, e refrear as paixões e a conservar escrupulosamente a
ordem que Deus estabeleceu na sociedade civil e na sociedade doméstica.
Não apoiar o socialismo.
34. É necessário, além disto, que trabalheis para que os
filhos da Igreja Católica não ousem, seja debaixo de que pretexto for,
filiar-se na seita abominável, nem favorecê-la. E também que por ações nobres e
pela honradez do seu comportamento mostrem como a sociedade humana seria feliz,
se cada um dos seus membros brilhasse pela rectidão dos seus atos e pelas suas
virtudes.
Fomentar as associações de proletários sob a tutela da
Igreja.
35. Finalmente, como se procuram sobretudo sectários na
classe dos homens que exercem oficio, que alugam o seu trabalho e que, cansados
da condição de trabalhadores, são muito facilmente seduzidos pela esperança das
riquezas e pelas promessas de fortuna, parece oportuno sustentar as sociedades
de artistas e operários, que, fundadas debaixo da proteção da Religião, ensinam
a todos os associados que se contentem com a sua sorte e suportem o trabalho
com paciência e os persuadam a que tenham uma vida sossegada e tranquila.
Confiança em Deus.
36. Favoreça os Nossos esforços e os Vossos, Veneráveis
Irmãos, Aquele a quem somos obrigados a atribuir o princípio e o êxito de todo
o bem. Aliás, nestes dias em que celebramos o Nascimento de Nosso Senhor,
encontramos motivos de esperança de um socorro muito próximo. Efetivamente,
esta nova salvação que Cristo recém-nascido trouxe ao mundo já envelhecido e
quase decomposto pela enormidade de seus males, Ele nos ordena que a esperemos
também; e aquela paz anunciada aos homens pelos Anjos, também prometeu que
no-la dava. “A mão do Senhor não se retirou para não nos poder salvar, nem aos
seus ouvidos se obstruíram para não nos poder ouvir” (Is 59,1). Nestes dias,
pois, de feliz auspício, Nós vos desejamos a Vós, Veneráveis Irmãos, e a todos
os fiéis das Vossas Igrejas, todas as felicidades e todas as alegrias; e Nós
rogamos com instância Àquele que dá todos os bens — “para que de novo apareça
aos homens a benignidade de Deus nosso Salvador” (T-ito 3,4), que, depois de
nos ter arrancado do poder do Nosso terrível inimigo, nos elevou à nobilíssima
dignidade de filhos.
37. E a fim de que os Nossos votos sejam mais pronta e
completamente realizados, juntai-Vos a Nós, Veneráveis Irmãos, para dirigir a
Deus fervorosas orações; invocai também a proteção da bem-aventurada Virgem
Maria, Imaculada desde a origem, e de S. José seu esposo, e dos bem-aventurados
Apóstolos S. Pedro e S. Paulo, em cuja intercessão temos a maior confiança.
Entretanto, como penhor dos favores celestes, Nós Vos damos do fundo do
coração, no Senhor, a Bênção Apostólica, a Vós, Veneráveis Irmãos, ao Vosso
clero e a todos os povos fiéis.
Dada em Roma, junto de S. Pedro, aos 28 de dezembro de
1878, primeiro ano do Nosso Pontificado.
LEÃO XIII, PAPA